28 de fevereiro de 2009

Análise

palma ao sol a mão rubra 
despe o véu da retina 
mostra o sangue a hemácia 
mostra a hemoglobina 
mostra a hemácia o sangue 
a própria mão uma amostra 
humana – não é minha

27 de fevereiro de 2009


por tudo obrigado
de nada e antes de mais
nada um obrigado

Recorta a palavra
na folha a máscara para
encaixar sua cara.

25 de fevereiro de 2009

Paisagem


Desliza a década
na cara de pedra
inabalável do morro
envolto no longo
véu de bruma e sonho
sob o gris perpétuo
do céu silente e oco

mas pressente-se quando perto
em toda pétrea ruga ao relento
toda vária fenda e greta
o inesperado acocorado
pronto para o bote
o banquete
a festa

20 de fevereiro de 2009

Verde mundo


o verde brada lento
falange rebento da terra bicho mastiga bicho mastiga bicho
chia guincha pia brota e se esfarela
a vida sepulta a vida no humo
calado gemido no barro
ave em revoada mosquitada
venta adeja a borboleta a pétala
estala o tronco o espaço e chora chove

Chamado nenhum escuto
de nenhuma destas selvas.
Vaguei demais e dei longe;
nada mais me reconhece.
Que o rio me lave e leve
e a carcaça fundo enterre
no miolo imundo e escuro
onde sequer resta um verme.
Ainda assim, continuo:

mundo verde:
verde mundo.

na terra o verme
na fruta o verme
na tripa o verme
no osso o verme
no espelho o ver-me

14 de fevereiro de 2009

Soneto 8

escorre o tempo e dos espaços
traz pras poças uma miríade
de pingos a repercutir
nos pátios os perdidos passos

das multidões que já o pisaram
enquanto o tempo todo corre
das constelações que piscaram
em tal desordem a entropia

da nossa profusão que pisca
e fica atrás desta esclerótica
que pra cada piscada morre

mas se dá conta neste instante
e no brando branco rabisca
este equívoco que ora escorre

11 de fevereiro de 2009


Aos pés do eruptivo
arranha-céu, a velhinha
tropeçou, caiu

e ralou-se toda. Mas
lá do alto ninguém viu.

10 de fevereiro de 2009

Poética


Estendera a mão
em vão; viraram-lhe a cara.
Resta à solevada

palma então pegar o nada;
de um gesto fazer um tanca.

6 de fevereiro de 2009

Cinismo



"O que quiser, peça-me!"
O grande assombrando o cão.
"Deixa-me o meu sol."

link da imagem: http://z.hubpages.com/u/362538_f520.jpg

4 de fevereiro de 2009

Nova poética


O que você acha
desta roupa nova que
o imperador traja?

2 de fevereiro de 2009


na sua corrente
mergulham galhos trementes
ausentes pra sempre

1 de fevereiro de 2009

Fruto

Eu cavo a terra e ouço
o eco do coito cão
do homem com o chão,
da voz dos pais dos pais
semeados: o ovo,
o aço do nosso ânimo,
seiva da plantação.