30 de dezembro de 2008


Enquanto um vem o
outro passa, e nisso o fio
das horas se esgarça.

28 de novembro de 2008


Como catar nossos
cacos se o que partiu não
foi feito do barro?

4 de novembro de 2008

No canil do corpo o coração late
exasperado à noite além da grade
(que a fome é furo e fura e a sede arde).

17 de outubro de 2008

Feriado burguês

Vim desde os prédios
calcando o verde
e agora eu olho
tudo do cume.

Inexorável,
mando o caseiro
arrancar a
erva daninha.

Lá no pé da
serra pegou
uma favela.

7 de julho de 2008

O manto do poeta


A gente passa na praça
sob o pegajoso manto
que a penca de pombos caga,
esses espíritos santos.

29 de junho de 2008


Depois que se paga o óbulo
resta o vazio da palma.

20 de junho de 2008

Pode ser a lua

Através das eras,
tudo ela contempla, imóvel,
empoeirada ao sol.

22 de abril de 2008


dormindo acordado
escova os dentes e a vida
branquejando o ralo

15 de abril de 2008

Ocaso

não olho o branco que me abrange

não me cubro nesse vazio
nem sinto a neve que cai tênue

não piso a vaga congelada
(colina em meio ao mar de neve)
nem ouço o estilhar da fenda

não bebo o copo de sereno

não me viro para o oeste

por que nenhuma andorinha?

guardo meus punhos no casaco

Me tranco na torre,
assombrando os corredores
nesta hora morta.

Onde a lasca branca e longa
da lua pela seteira?

9 de abril de 2008


O poeta atravessa a rua
com seu guarda-chuva fechado,
pêndulo fora do compasso
dos seus passos. Me pergunto
como ele estará vendo o mundo
pelo lado de lá da sua
caleidoscópica miopia.

7 de abril de 2008

Elos


Escalando o pai com o olhar,
ele mostrava na mão espalmada do braço estendido
o carro mais corrente
do mundo.

Dei partida às ligações.

Quem põe poesia
aqui? Eu? Você? Alguém
que sopra do além?

No ônibus


Ele vende bala
dizendo obrigado a todos
antes de mais nada.

29 de março de 2008

Silêncio


O silêncio não diz nada
mas eu falo do silêncio.

Pego e pago a pena de
repetir o gesto, o risco,
o traço arisco do verbo.

O manto invisível da
palavra. Melhor dizendo,
não-palavra. Esse calar
que canta não sendo e quando
também se instala uma fala
que fala e fala e falando
se encolhe, se esvai no vento.

29 de janeiro de 2008


Lambendo a letra eu
levo o logos ao léu da
lua, a olhar lá

de longe, nume lhano e
nu (atrás do véu de nuvem).